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ARTHUR ARNOLD

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A FRAGILIDADE DO PODER
Curadoria: Felipe Scovino
outubro/2012

Narrativas indisciplinadas 

 

Estamos diante de um repertório que compreende uma mistura de algo veloz e violento, irônico e dramático, real e ao mesmo tempo fora de uma ordem que se espera das imagens que compõem o mundo nas pinturas de Arthur Arnold. Suas obras tornam aparentes uma disputa de poder nas suas mais variadas representações. Suas obras nos oferecem narrativas contundentes, mas nunca disciplinadas sempre confundidas entre distintas ambiguidades. Em uma mesma tela podem habitar dados simbólicos ou representações tão (aparentemente) díspares quanto o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Damien Hirst, um tubarão que faz referência ao clássico filme dos anos 80 e à sua namorada posando com um objeto híbrido, que fica entre um abridor e uma máscara africana. Aos poucos, essas diferenças encontram uma trajetória, mesmo que difusa- que os une, seja por conta da história da arte ou de algo que surpreendentemente faz parte do nosso cotidiano, como o voyeur que está sempre a nos espreitar nesse tempo de vigilância e insegurança. Mas mesmo nessa aparente dispersão, Arnold nos oferta uma pintura que tem por vocação dirigir o olhar e percepção do espectador justamente para o que ocorre no mundo mesmo que essa lente nem sempre esteja tão límpida quanto nós esperamos. 

 

Contudo, fundamentalmente o mundo é constituído por essas ambivalências, fraturas e o que julgávamos serem incoerências. Em suas pinturas, o estranhamento e a diferença são os fios condutores dessas pequenas narrativas que acabam se interligando. A escala de suas pinturas de certa forma aumenta a circunstância de enfrentamento entre espectador e representação. Em "Cafezinho na casa do Seu Pereira", estão lado a lado ícones fetichistas (a bota, sendo usada por um, digamos, excêntrico senhor que apropriadamente representa ao mesmo tempo a imagem de um dominador, em referência ao terreno do sexo, e dos antigos "coronéis" do Nordeste) e notadamente eróticos (a pose "descontraída" e ao mesmo tempo sedutora da moça ou a nudez da mulher) ou ainda cenas de violência, visíveis tanto numa cena de execução efetuada por um mascarado como na ambivalente figura do cão que guarda (ou aponta?) um canivete. No final, essas narrativas acabam por firmar um compromisso com várias representações de poder que se disseminam no campo do sexo, violência, dominação ou política. Ou ainda a violência pode transparecer numa inverso de funções como em "Paranoia", quando as galinhas deixam sua função doméstica, passiva e de alimentação para os seres humanos e passam a atacar de forma violenta os estudantes em um camping. 

 

O que sempre foi caça torna-se caçador. E aqui se abre um importante comentário sobre o objeto situado no meio da galeria. Construído de forma artesanal pelo artista, ele simbolicamente transfere ao espectador a sensação (ou olhar) da(o) qual a presa é vítima (no caso, os animais e especificamente os representados por Arnold em suas pinturas) da seguinte forma: o predador, usando uma linguagem atrelada ao discurso sobre o poder que tanto interessa a Arnold, possuiria uma "visão tridimensional", que é a do espectador ou simbolicamente do caçador que foca a presa e passa a tê-la sob sua mira, que seria substituída pela "visão bidimensional", assim como a visão dos "animais-presas" que percebem o mundo com um olhar lateral em relação às coisas. O espectador que interagir com o objeto poderá experienciar a sensação de ser vítima assim como os personagens das pinturas que estão a sua frente. 

 

Em uma narrativa surreal - o cenário ainda apresenta uma pista de aeroporto e a hélice de um avião - a pintura de Arnold também estabelece uma relação cromática que foge aos padrões comuns. Mais um desvio ou ainda outra relação de poder sendo exibida e/ou desconstruída pelo artista. Se a "responsabilidade" da arte é ser um constante enigma, a pintura de Arnold, ainda no início de uma trajetória, cumpre essa função. As distintas representações do poder - suas perversidades e fragilidades - estão lá, ainda que de forma difusa e nem sempre literal, para nos questionar sobre o que envolve o mundo. 

 

Felipe Scovino

curador

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