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PAULO VIEIRA

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DEPOIS DE HOJE
Curadoria: Mauro Trindade
novembro/2013

O retrato é um tema caro à pintura, gênero que Baudelaire notou ser de aparência tão modesta e que necessita de uma imensa inteligência. Sem a grandiloquência da pintura histórica ou os efeitos da paisagem, o retrato permitiu a construção de uma certa identidade hoje solapada pela personalidade errante do sujeito na atualidade. Nesse contexto a exposição Depois de hoje, com os mais recentes trabalhos de Paulo Vieira, pode ser entendida como um grande autorretrato. Toda minha pintura é autorretrato, reitera. 

 

Depois de hoje não tem programa. É evocativa e aleatória como o verso de Paulo Leminski que a batiza. Quando a gente olha o conjunto pronto, pensa que ele nasceu assim. Mas esses trabalhos não foram feitos imaginando uma exposição. Eu queria voltar a pintar com óleo, o que não fazia há muito tempo. E não quis me aventurar em uma tela grande. Mas comecei a gostar, a mexer, revela. Como preferiu trabalhar com telas de pequeno formato, o conjunto de imagens adquiriu um caráter fragmentário e, paradoxalmente, uma forte coesão. 

 

Há muitas camadas aqui. Tanto da matéria densa das tintas quanto de ideias e constatações. Em seus trinta anos de trabalho com óleo, acrílica e grafite, o artista aprofundou-se na pintura alheio a influências e modismos passageiros. Sua arte é inteiramente apegada ao próprio processo de descoberta e inquirição. Pode-se dizer obsessiva, pela preocupação permanente em realizar-se com rigor, o que explica seu enorme conhecimento da cozinha da pintura. Não é a mão que faz, mas o olho, observa. Quando foi aluno de Lygia Pape, ela sempre repetia que o artista precisava saber falar de sua obra. Conselho idêntico ao que ouviu de Celeida Tostes, para quem o artista deve estar consciente de seu processo de criação. 

 

As pinturas e desenhos de Paulo Vieira costumam ter diversas versões antes de chegar ao resultado. O que vemos é produto de longas e persistentes sessões e cada quadro costuma ser precedido de experimentações submersas em novos estratos de tintas. Naquele ali nem sei como o algodão resistiu. Raspei a tela para ficar com menos matéria. Mas aí a raspagem me agradou, conta. 

 

Sua obra não se revela de maneira simples, pois traz imagens cuidadosamente articuladas em torno das ideias de isolamento, incomunicabilidade e vida interior. Elas falam para dentro. Cada uma conta uma história, mas é cada espectador que a completa com suas experiências individuais, acrescenta. Se algo surge de forma intuitiva, ele é submetido a uma inteligência pictórica atenta aos recursos utilizados pelo artista. As imagens criam armadilhas que você tem de evitar. Há soluções que a gente vai desenvolvendo que podem ser sedutoras, mas que também podem resultar danosas, porque a gente acaba se repetindo, avisa. 

 

Lógica e trabalho investigativo previnem a pintura de se tornar ilustração de teorias adaptadas e a sustentam em sua própria espessura conceitual. Caso de seus desenhos de burros, que rompem com a continuidade das formas e confrontam geometria à irracionalidade. O desenho é uma maneira de associar o animal a um rigor de linha que é totalmente exterior a ele, o que faz parecer que as coisas podem ser reinventadas, acredita. Paulo Vieira abandona a concepção tradicional do autorretrato, como representação social da vida pública, pelo criptorretrato, que em seu caso, podem ser mulheres, postes, cães, esquinas e um casal de homens-lobos. A exceção é sua nítida e perturbadora imagem estrangulada por cordas. Há um planejado desapego ao realismo, à grandiosidade e ao sentimentalismo que o afasta de um figurativo apressado, na verdade, de qualquer figurativo, basta olhar como suas pinceladas se conjugam além de uma lógica de fundo e figura. Evasiva e silenciosa como uma rua de domingo. 

 

Mauro Trindade

curador

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