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THAIS BELTRAME

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ONDE NÃO ESTOU 
Curadoria: Douglas de Freitas

outubro/2013

O universo da literatura, ou da contação de histórias, e cheio de lugares. Criar uma história e criar um lugar para que ela aconteça, construir através da narrativa um terreno, uma cartografia que, mesmo fantástica e impossível de existir em nosso mundo regido por regras da física, de conta de situar e inserir o leitor nesse universo, torná-lo parte dessa história. A fábula - que significa em latim? O que é dito? - é um gênero literário que tem origem no oriente, de uma tradição de história oral, é construída por um mundo onde animais, humanos e seres inanimados, como árvores e casas, convivem e interagem sob as mesmas características, em pé de igualdade. Todos têm suas personalidades, princípios, qualidades e defeitos. Através dessas fábulas, a sabedoria de caráter moral era, e é passada, para as novas gerações. Essas histórias míticas exemplificam o certo e o errado no comportamento moral humano. 

 

Thais Beltrame circunda esse universo literário. Certamente a artista traz de seu trabalho como ilustradora referências para seu trabalho artístico, ou talvez, subverta esse primeiro universo. Sua produção cita claramente esse mundo das fábulas. Seus desenhos, gravuras e instalações trazem cenas de florestas, pequenas cidades ou ambientes domésticos, onde animais e pessoas parecem desempenhar um papel no desenrolar de uma história. Mas nos trabalhos da artista não há história precisa, os personagens parecem aguardar, em uma reflexão do que passou, e em um momento de espera contemplativa por uma história que está por vir. 

 

Os animais que normalmente aparecem nas fábulas como símbolos de qualidades humanas como força, sabedoria e astúcia, aparecem também nos trabalhos de Thais, e carregam em si essa simbologia. Em um dos desenhos da artista, vemos em primeiro plano um coelho, que nos observa do alto de sua sabedoria, parado em uma elegante posição ao lado de uma janela, preso em um ambiente doméstico. Pela janela vemos uma figura humana, que está de costas, e olha para um horizonte vago do alto de um balanço, em um estado meditativo. Esse personagem, assim como as demais figuras humanas destes trabalhos, tem sempre feições infantis, símbolo de pureza e inocência, outra referência ao mundo das fábulas. Uma página em branco esperando por sua história. 

 

Como técnica de construção, a obra de Thais tem como ponto de partida o desenho (talvez uma escolha natural, pois responde diretamente ao universo do livro, do papel, e da grafia) e a partir do desenho, algumas vezes acompanhado de aquarela, que o trabalho se desdobra em gravuras, colagens, instalações e objetos compostos por camadas de desenhos recortados.

 

Seus trabalhos lembram também as iluminuras medievais, e certamente respondem a elas, sobretudo no formato diminuto que a maior parte da produção da artista assume, mas também quando a artista insere manchas e chapados de preto ou tinta dourada em seus desenhos, ou ainda no trabalho onde e inserido pequenos papéis coloridos semitransparentes que formam o vitral de uma janela. Na composição de Thais, assim como nas iluminuras, há uma economia de formas e personagens, apesar de cada elemento receber detalhes excessivos. 

 

A artista detalha seus desenhos a exaustão, o que faz com que mesmo em desenhos de grande formato, ou em suas instalações com desenhos realizados diretamente em paredes, essa referência se mantenha presente na dualidade entre a escala do trabalho, e a escala do traço. 

 

Esse e o universo apresentado na exposição onde não estou, cenas criadas através de um delicado desenho de extremo labor apresentam um mundo de intensa espera meditativa. Ao contrário das fábulas, das ilustrações, ou das iluminuras, nos desenhos e gravuras de Thais, os personagens não se comunicam, as ações estão sempre contidas em uma pausa silenciosa. Seus personagens olham para o horizonte, escalam árvores, ou almejam o céu através de frestas, sejam elas de portas, janelas ou alçapões, em busca do próximo passo, do decorrer dessa história. 

 

E assim que Thais constrói o seu mundo, configurando esses elementos em recortes e camadas, que articuladas, constroem um cenário, uma paisagem - ainda que doméstica - para uma situação de espera e reflexão. Um mundo aprisionado no papel, um mundo de papel, um mundo que parece querer sair do papel, para invadir o mundo. 

Douglas de Freitas

curador

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