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THAIS BELTRAME

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PRIMEIRO AS FLORESTAS
Curadoria: Fernanda Lopes
março/2016

Desenhar,

Talvez a primeira coisa que chame atenção na exposição de Thais Beltrame seja o título. Primeiro as florestas, tem uma forte carga poética e desde o início dos tempos povoa os imaginários mais diferentes, como de artistas, cientistas, escritores, ambientalistas, músicos e engenheiros, sob os mais variados aspectos.

 

Essa exposição começa em uma floresta. Em setembro de 2015 a artista passou 15 dias sozinha em uma casa no meio de uma floresta, em Michigan, nos Estados Unidos, e durante esse período realizou uma série de desenhos de observação do que via e ia encontrando ao seu redor. Foi uma maneira de tentar enfrentar esse espaço misterioso, melancólico, localizado para além das paredes da casa onde estava. A dificuldade de estar em um lugar como aquele a fez pensar no início da melancolia na humanidade, que para muitos autores está ligado à separação entre linguagem e natureza.

 

Em Primeiro as florestas, Thais Beltrame reúne cerca de 30 trabalhos inéditos que nos levam para essa floresta. Os desenhos guardam em sua maioria a escala das nossas mãos. São acessíveis, próximos. Ao mesmo tempo, são feitos a partir do ponto de vista de quem está dentro daquela paisagem. Ao mesmo tempo em que ela nos deixa ver o que ela viu, também nos coloca na posição de construirmos nossa própria floresta. O caráter melancólico sobrevive nesses desenhos. Foi difícil para a artista estar lá e agora, em certo sentido, também é difícil  para nós.

 

Mas talvez o título chame atenção não só pela imagem da floresta que ele evoca. Antes mesmo de entrar no espaço expositivo, o espectador pode se ver intrigado pela vírgula que faz parte do título. "Primeiro as florestas,". Esse é um sinal de pontuação que funciona quase como um coringa. Mudar sua posição em uma frase pode significar alterar completamente o sentido, ou mesmo perde-lo. É quase impossível prever o que vem depois dela: pode ser um complemento, uma reafirmação, uma ressalva, ou mesmo uma oposição à ideia inicial.

 

A dimensão lúdica sempre interessou Thais Beltrame e sempre esteve presente em sua obra. Quando criança, a artista paulistana já desenhava, e mais tarde, já como artista, as crianças eram figuras constantes nas histórias e lugares construídos em seus trabalhos. Nesta exposição, as crianças já não aparecem como personagens, mas o aspecto lúdico da obra se mantém presente - seja na maneira como lida com a imagem, como constrói as paisagens (que aqui deixam de ser cenário e começam a ocupar o lugar de personagens principais) ou mesmo como lida com o desenho em si. O corpo ainda se faz presente na obra da artista, mas já não é mais como figura. Se como dito anteriormente, agora nosso corpo é levado para dentro da obra, é corpo também o desenho que aqui é pensado como matéria. O que vemos são desenhos que sim, partem da superfície bidimensional e dos traços feitos nessa superfície, mas que vão além. Se valem também do uso da aquarela, da gravura e exploram diferentes superfícies, utilizando não só tipos variados de papel, mas também incorporando a materialidade de um recorte de tronco de árvore.

 

Recortar - um dos verbos que vêm sendo conjugado pela artista desde 2013 - é aliás uma ação importante nessa exposição. Aqui o desenho deixa de lado sua condição bidimensional e assume um caráter tridimensional. Em alguns casos são procedimentos simples, como o simples ato de dobrar a folha. Em outros há um processo quase escultórico de recorte, colagem, montagem. O resultado são desenhos em forma de instalações e objetos que lidam com o espaço real, que se valem inclusive da luz usada para iluminar a galeria para produzir e incorporar sombras reais como parte da obra.

 

E esses são desenhos que lidam também com o tempo. É quase impossível olhar para alguns dos trabalhos e não pensar que estamos diante de em um rolo de filme ou um livro. Em alguns há uma insinuação de uma sequência enquanto em outros, o simples fato de colocar uma imagem do lado da outra nos instiga a tentar estabelecer uma relação entre elas, e ai nasce a possibilidade da narrativa (uma história que se desdobra no tempo). Algumas obras são livros de fato, inclusive com capa e contra-capa em alguns casos, reforçando o interesse que a artista sempre revelou sobre o universo literário.

 

Em Primeiro as florestas, vemos a diferentes possibilidades de construção de narrativas. E aqui, o grande personagem é o ato de desenhar.

 

Fernanda Lopes

curadora

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