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TOZ

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 RISCO
Curadoria: Fernando de La Rocque
29|03|17 - 29|04|17

A brutalidade que faltava na obra de Tomaz Viana, o Toz

por Fernando de La Rocque

Soa até engraçado dizer que o Toz “saiu da zona de conforto”, porque, até o momento, toda a base da produção é provinda de situações de extremo desconforto, inclusive desconforto físico. Há pelo menos vinte anos o artista pratica a arte do graffitti. Apropriação espontânea de espaços urbanos com ideias impressas à tinta. Feitos na maioria das vezes na madrugada, tendo como campo predileto os lugares mais difíceis. Na rua, o aumento da complexidade aumenta o reconhecimento. A coragem reconhecida na expressão física. A visibilidade é fator primordial, e o espalhamento. Isso exige preparo, e todo artista que se expressa na rua por vontade própria coleciona histórias de situações de desconforto. Há perigo na rua.

Nos personagens pintados nas paredes, muros e outros espaços verticais, fica impressa a experiência, essa aventura, esse preparo de ninja, essa fome de se espalhar. Quando vemos um Shimu no topo da entrada de um túnel, sentimos o quanto o artista foi ousado: ele teve que escalar, na madrugada, o lugar perigoso. Perigo de cair, perigo de polícia pegar, perigo de tomar choque, tiro - e essa adrenalina alimenta o artista – quem passa e vê, entende o perigo. Quem acompanha, conecta com todos os outros Shimus que viu pela cidade. A experiência do momento fica impressa no objeto quando o objeto permanece no local da experiência. Mas nessa leitura, de observar a multiplicação de Shimus na cidade, não fica tão clara a história que o artista fez em sua cabeça, sobre o personagem. Mas de fato existe uma história. Toz criou um arsenal de imagens e textos que compõe esse mundo onde esses personagens vivem, com seus comportamentos peculiares.

Toz começa a pintar telas, e essas histórias expandem ganhando cenários, e os personagens são mostrados em outros ângulos, e esse mundo criado vai ganhando mais forma e mais cor. Toyart e escultura fazem esses personagens ganharem ainda mais vida. Cada novo passo em aprimoramento técnico do artista também fornece novos dados ao universo imaginado.

Com redes sociais, o artista consegue amarrar mais ainda, para o público, essas histórias. O conjunto da obra ganha uma plataforma de acesso imediato universal. E como em um processo de retroalimentação, Toz se vê estimulado a dar a esses personagens vida plena, transformando em animação e quadrinhos (spoiler).

Um dia o artista está em seu atelier, certamente indignado com toda a lama em que o mundo está submerso, indignado com a lama de Mariana, e com a atual conjectura, e com toda a pilantragem generalizada, e num momento de plena entrega gestual esfrega massa corrida por cima de telas prontas extremamente coloridas e enormes, de Shimus e Ninas sorridentes, de balões e vasos coloridos. Esfrega sobre o mundo colorido a massa branca, preta ou cinza, cor da lama da poeira cinza da cidade. Cobre quase tudo, e depois que seca, golpeia a tela com ponta de faca, golpes controlados, de quem aprendeu a domar a própria força. Um golpe voraz seu destruiria a tela - e isso não seria de se estranhar. Os golpes revelam pistas das camadas que foram cobertas. Rasgos de luz. Esse gesto diz muito mais do Toz que os personagens. Nessa série Risco tem a energia pesada concentrada da rua. A força da poluição, a craca do tempo. Como o próprio artista diz “graffitti do futuro”. O futuro de todo graffitti, e de toda cidade, é ficar coberto de poeira, e areia, e lama, e todos os restos mortais de tudo o que existe. Para daqui a mil anos vir uma outra turma, com uma outra língua, e outros hábitos, e outros símbolos, e acharem debaixo daquilo tudo os nossos símbolos. Nossos mundos sempre estarão submersos na craca do Grande Mundo.

O Toz deu essa acelerada no tempo. Por cima da lama veio a palavra. Resquícios de ideias, de alguém que dessa vez preferiu insculpir textos, com letras distribuídas de forma caótica, e toda letra muito carregada de força, rasgada na marra, na massa. Textos carregados de vontades, palavras de força, e movimento. Trabalho braçal, no limite entre controle e descontrole. O gesto faz brotar o que há de mais puro. Ali se imprime verdade.

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